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sábado, 24 de julho de 2010

O Humor.

"O humor, que é a superconsciência ironizando sobre a contradição, sabendo a contradição contraditória, dominando a contradição, também é uma das nossas especialidades. Aqueles que vivem um problema desse género fazem dele um jogo, mas um jogo sério. O humor é a evasão da má consciência pela liberdade; é ele que pacifica a insolúvel contradição."


Ao ler isso não me surpreendi, pois há anos estudo psicanálise, porém, sei que muitos ficaram e ficarão confusos com essa explanação do filósofo Vladimir Jankélévitch, também estudioso da psicanálise.




P.S: Só para constar, acho isso tudo muito engraçado.
Nossa discussão em questão: O humor, essa zona da mente responsável por boas sensações e identificação com o meio externo. Mas o que de fato nos faz rir? Quais fatores psíquicos são responsáveis por aquela gargalhada alucinada? Ao contrário do que possa parecer, não rimos daquilo que de fato achamos engraçado, mas daquilo que nos é permitido.
Quando achamos algo engraçado, projetamos ao objeto afeição e cumplicidade, reconhecemos fatores em comum e, inconscientemente, tornamos aquele objeto "semelhante" a nós. Bem, antes de continuar, devo esclarecer que objeto pode ser qualquer pessoa, situação,  frase, gesto, qualquer coisa que promova relação entre pessoas. E ao dizer "semelhante" quero dizer que incorporamos aquele objeto, inconscientemente ou não. Vou dar um exemplo: as girias. Ao perceber que sua sensação e percepção se elucidam muito bem através das girias, você começa a projetar-se com elas, ou seja, a giria é o objeto que você achou engraçado e o fato de você começar a usá-la  torna esse objeto "semelhante".
Na psicanálise, humor é diferente de engraçado. Como já foi dito, o engraçado é uma projeção, ou usando os termos mais modernos da psicanálise, é uma ato de transferência. 
Para entendermos o que seria o  humor vamos precisar estudar esses atos de transferência e contra-transferência e para tanto teremos que nos deter nos estudos da psicanalista Melanie Klein.
Identificação projetiva, é o mecanismo pelo qual criamos as nossas defesas psíquicas, é o fator decisivo para a formação do nosso "sentir o mundo". A identificação projetiva por sua vez é formulada no ato de transferencia e contra-transferencia, conceitos desenvolvidos por Klein. A transferência é a emissão constante e continuada das nossas energias psíquicas acumuladas ao longo dos anos. Cada estímulo que recebemos do meio cria em nós um resíduo psicológico, ou a famosa impressão e é esse resíduo que nos guia em uma primeira aproximação com o objeto. Talvez venha daí aquele dito popular: "A primeira impressão é a que fica". Contudo, essa frase está errada, porque esse resíduo psicológico não é aceito pela nossa mente como a informação final, é  preciso uma nova interação com o objeto para a "confirmação" da informação. A tentativa de confirmação cria no objeto um ato de retaliação, essa retaliação é o processo de contra-transferência.
A identificação projetiva é uma fantasia inconsciente, mas diferente do conceito de projeção que implica em livrar-se de conteúdos; ela implica em livrar-se também de partes funcionais do ego, como por exemplo, da capacidade de pensar, e implica ainda em alcançar o objeto transformando-o.
Todavia, aonde isso tudo se aplica na compreensão do humor? Muito simples, o humor é fruto da nossa identificação projetiva mais enraizada no inconsciente, muito proximal ao sistema dinâmico que promove a nosso sensoriamento sexual, portanto, é guarnecido  com os mais complexos sistemas defensivos da mente.
O nosso humor nasce, principalmente, alicerçado nas contra-transferências negativas, que nada mais são do que a impermeabilização das nossas transferências. Exemplo: Você, quando criança, estava assistindo a uma novela com a sua mãe, de repente surgi uma cena de sexo e então você se sentiu estranhamente incomodado. O fato de você se sentir estranho com aquela situação é consequencia do ato de contra-transferencia negativa que você sofreu, pois você sabia o que era sexo, tinha uma certa impressão do assunto (transferencia), porém, sua mãe não falava do assunto com muita naturalidade e frequencia (contra-transferencia) e você entendeu que aquele assunto era meio delicado (contra-transferencia negativa). Esse e muitos outros assuntos sofreram o ato de contra-transferencia negativa, e foram protegidos por um rígido mecanismo de proteção à sua saúde mental.
Contudo, quando o seu subconsciente percebe uma falha ou a ausência do sistema de contra-transferencia negativa, ele imediatamente libera para o meio a sua impressão de determinado tema e isso é feito através do riso. É por isso que achamos tanta graça das piadas "sujas" ou que envolvam sexo, pois o nosso inconsciente aproveita a "permissão" para falar do assunto e relaxa, fazendo-o por meio de boas gargalhados.
Então, como foi dito no inicio pelo nosso filósofo Vladimir Jankélévitch: "O humor é a evasão da má consciência pela liberdade", isto quer dizer que o que antes era julgado como resíduos psicológicos de inacessibilidade ao meio, devido aos inúmeros ataques de contra-transferencias negativas do meio, agora tem a liberdade de serem expostos.

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