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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Um rascunho de romance...

Sondava-me a alma, sempre que, na proximidade física, os pensamentos tentavam esquivar-se das mínimas esperanças talvez realizáveis, talvez não - pois, nessas situações, a dúvida é sempre mais certa do que as certezas. Contudo, o seu querer indomável, e portanto sincero, era a proximidade dos corações; o seu querer inicial e eternamente final era o amor.




- A você um lugar infinito dentro da minha alma;

- A você um especial e indizível carinho;

- A você um... [não sei terminar, não quero/ou não quis, não é ruim]




Permita-me, então, dizer: Obrigado.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Presentemente amigos


Querida Amizade,
Onde está a sua mágoa?
- nas velhas facções do mundo
- nos velhos confins do nada!


Minha alegria se desnuda
De minhas roupas de cetim
A cor dela está muda
E minhas lembranças não têm fim


Eu te quero aqui, comigo.
Para sempre, ao meu lado.
Mas não te prenda meu amigo,
Mesmo distante és festejado

Antigamente: passo a passo
E no presente: só Deus sabe
E brevemente mesmo espaço
E no futuro: eternidade


Mas por agora dividi o tempo
E segue reto, só na saudade
Repare a brisa - o velho vento :


O frio aquece nossa amizade...

sábado, 3 de setembro de 2011

História Mágica


Era um perfume tão pesado que os corpos se amolentavam, rendidos, e uma névoa de banho de vapor esfumava os contornos das flores de pétalas abertas, dos frutos enormes, que pareciam prestes a cair. Não se sabia se eram cobras dormentes, ou lianas semivivas, aquelas coisas pendidas nas galharias... Pássaros não se viam, nem sáurios furtivo, nem grandes ou pequenos quadrúpedes. Mas gritos misteriosos, que a gente não podia identificar, feriam de quando em quando os ouvidos, acordando-os do torpor em que os adormecia o zumbir ininterrupto dos insetos. Os pés chapinhavam como em barro, no musgo verdoengo que tapetava o chão.
Caminhávamos, arquejávamos, sem dizer palavra. O nosso guia e rei seguia à frente, invisível, sua presença acusando-se (nas horas de maior angústia, parecia) por um agitar frenético de guizos. Um dia, não mais o escutamos e cada qual, com um ingrato alívio, seguiu o seu próprio caminho. Cada qual, se extraviou, sentou-se, enfim, para morrer.
E cada um morria pensando invejosamente que os outros houvessem encontrado alguma coisa, uma fonte de virtudes nunca imaginadas, uma princesa, um mágico, algum Deus ainda bárbaro ou no seu mais adiantado estágio, mas sempre um deus, mas sempre alguma coisa. Pensavam em tudo isso, sim... E sentiam, no entanto, um monstruoso orgulho de morrer sozinho.


Hai - Kai


Do jeito que poderia ser não me serve
Do jeito que é me compete
Do jeito que foi não repete.


Transubstanciação

"Mendigo... ou seria a nossa figura no outro mundo?"

Ali, no canto da rua, uma sombra tremida
Caminha, caminha...
As folhas das árvores, no Frêmito, sentem seu medo
                                                                                  No vento
E, de repente,
Todas as coisas imóveis se desenharam mais nitidamente no
                                                                                           Silêncio
As pálpebras estavam fechadas...
Os cabelos pendidos...
E ao longo das janelas mortas
Estranhos passos se ouviam
E como resposta ao seu pedido, uma porta se abriu.
Anjos traçaram cruzes nas calçadas...
Era o mendigo – Senhor noturno das ruas!


Tra lá lá

"Qual a chave para abrir seu coração?
- A escolha é simples, a decisão que é crucial"

“Vamos falar de Amor”. Pediu-nos furtivamente uma colega.

Ah! Mas como se diz tudo, sem pensar em nada, e de modo tão natural e fatídico quando se acreditar está falando de Amor. Quanta sinceridade há nas nossas narrativas de amores e, valha-me Deus, de desamores. Não digo que não sejam verdades. Porém, tu bem sabes vivido leitor que a nossa verdade é uma realidade secundária. Pura invenção das nossas crenças mais desesperadas.

Pediu-nos para falar de Amor. Mas sim, só o que me trouxeste foi um romance de enredo torto e mal acabado. Descreveste-me uma história de amor. Não me falaste de Amor.

Sorrir-lhe tristemente ao me pronunciares que “O amor só ocorre uma vez na vida”.
Eu tentaria essa: “O amor só ocorre uma vez por vida. E cá para nós, tantas vidas nós temos ao longo de uma única!

Acho que ninguém me ouviu. Também pudera, não compartilho seus sofrimentos e isso parece a eles uma qualidade absolutamente necessária para se falar de Amor. Eu, abismalmente, ria. É como se dissessem que só teria o direito de falar da vida quem já morreu.

Ah! E o pior da noite: “Eu nunca tive assim um grande amor”. No que eu poderia transformar, pela conotação que deram à conversa, nisso: “Eu nunca vivi um romance”. E, para o meu alegre desgosto, lembrei horas depois de uma herança que nos deixou Mário Quintana e que nos dizia mais ou menos isso:

“A minha vida foi um romance” – diziam, depois de uma pausa – e um suspiro, aquelas velhinhas que apareciam antigamente nos lares a vender rendas e bordados. Não sei por que os de casa desconversavam. Por sinal, que anos depois escrevi, para consolá-las postumamente, um poema que começava assim: “Minha vida não foi um romance”...

Não, a vida nunca é um romance: falta-lhe o senso de composição, o crescendo que leva ao clímax. Tudo acontece tão sem lógica e sem preparo que os seus golpes nos deixam atônitos, mas de olhos secos, como se fossemos heróis, nós que enxugamos furtivamente os olhos no escuro das salas de cinema – só porque o diretor do dramalhão soube desenrolar devidamente o filme."

É, esperto leitor, como já de certo percebeste, falou-se de qualquer outra coisa, menos de Amor. E espero, para o seu próprio bem, que não penses que irei aqui terminar a desgraçada conversa. Entretanto, farei, em tom triunfal de despedida, um resumo do que o mundo – e, é claro, os meus românticos amigos – defini por amor:

“O amor é uma concórdia de desacordos, onde só o que se afirmar é a não felicidade em aceitar a discordância da concórdia”.

sábado, 5 de março de 2011

A preguiça, Roma, Os discos voadores e Outras coisas afins


 
        Dizia-me ontem João Sabiá, numa de suas
costumeiras observações de filologia impressionista, que o
"aí" (a conhecida preguiça do Norte) era mesmo um
bicho tão preguiçoso que até seu nome indígena era
brevíssimo: para que tanta sílaba? Coisa assim como
aquela batidissima história do vendedor de
amendoim...
        Discordei. A preguiça que a gente sente, a
preguiça no sentido próprio, é longa, arrastada.
        E o bocejo, quanto mais preguiçoso, mais
comprido é. Por isso dizia há tempos não me lembra quem
que a voz de Dona Gertrudes era uma voz de
cadeira de balanço. Ótimo.
        E o nosso caboclo, o nosso biriba, o nosso guasca
até, pitando até o último o seu toco, sorvendo até o
finzinho o seu chimarrão, quando quer dizer "re-
cruta", por exemplo, não diz "recruta" diz
"reculuta". É mais gostoso, mais brasileiro, mais de rede
ou do galpão.
        E a voz gostosa das mulatas, eu moço? Aí é que
está: voz de melado, langorosa, que aprenderam delas
as iaiás, na doce madorra dos cafunés, e até hoje a
conservam, graças a Deus, tão ben.
        Questão de raça, de clima..., não se é preciso ser
nenhum Gilberto Freyre para descobrir isso.
        Senão vejamos um caso bem simples e bem
significativo como o da tão conhecida palavra latina
corona. Eis o que aconteceu depois que se alastrou o
domínio e, com este, a língua dos imperialistas
romanos: na Itália, o seu berço, essa palavra continua
corona mesmo, o que não é nada de espantar; em
francês deu couronne, em espanhol, também corona,
em português, coma e, em inglês, crown.
        Que é isto, seu moço, que susto! Onde é que
estão as vogais? Onde é que está a palavra?
        - O gato comeu.
        - Não, foi o clima. Com aquela friagem toda,
como abrir tanto a boca? Preguiça? Qual! Com aquele
raio de clima, eles tinham de ser expeditos, tinham de
fazer movimento. Nada de redes ou coisa parecida:
quando muito, monossílabos.
Scotch, bastante scotch... Questão de clima, e
portanto de raça, e portanto de temperamento...
        -  Tenho dito.
        -  Mas - observou um marciano que, do alto do
seu disco voador, estava escutando telepaticamente a
nossa conversa mole - mas ele não acabou de dizer
que os próprios donos da palavra a pronunciavam
abertamente?
        -        Sim - confirmou o piloto.
        -        E não foram os romanos um povo de
conquistadores, como bem sabemos desde aquela época por
tele-pato-visão?
        - Povo? estranhou o piloto.
        -        Povo, sim!
        -        Mas, naquele tempo, o povo não se metia na
guerra. Quem fazia a guerra eram os profissionais, os
soldados.
        -        E o governo?
        -        Que governo?
        -        O governo! - explodiu o co-piloto, irritado
com o laconismo irônico do companheiro. - Pois o
governo não emanava do povo, como afirmam até hoje
os terrenos?
        -        Isso era também com os soldados.
        -        Ah, que povo feliz! - suspirou o co-piloto.
        Pois bem, quaisquer que sejam as reservas que
faça o leitor quanto às aspirações políticas deste
último, quanto às observações históricas do primeiro,
não é nada disto que me impressiona de momento. O
que me impressiona e entristece é o fato de que esses
nossos dois observadores, e todos os marcianos,
comunicam-se entre si e conosco apenas por via
telepática, como afirmam categoricamente os espíritas,
por testemunho dos espíritos. Pois se o leitor ainda se
lembra, João Sabiá e eu estávamos falando na
expressividade e gostosura das palavras. Especialmente
na gostosura. E se descerem e forem à Bahia,como
hão de saborear devidamente os pratos baianos, de
cujo sabor é parte integrante o sabor de seus nomes?
E se, ainda na Bahia, lhes oferecerem um recital de
Castro Alves? Pois sempre se mostra aos visitantes
ilustres o que há de melhor e mais típico na terra...
Entristece-me que lhes passe de todo despercebida a
incomparável beleza destes versos do Navio Negreiro:
 
Vêm os guerreiros helenos,
Belos piratas morenos
Que a vaga ironia embalou...
 
        Pois, se apenas lhes captarem a essência, que
restará desses versos? Bem sabe o leitor que o verso é,
antes de mais nada, uma fórmula encantatória e o
melhor poeta é aquele que tenha descoberto maior
número dessas mágicas cuja força reside na palavra
.