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sábado, 3 de setembro de 2011

Tra lá lá

"Qual a chave para abrir seu coração?
- A escolha é simples, a decisão que é crucial"

“Vamos falar de Amor”. Pediu-nos furtivamente uma colega.

Ah! Mas como se diz tudo, sem pensar em nada, e de modo tão natural e fatídico quando se acreditar está falando de Amor. Quanta sinceridade há nas nossas narrativas de amores e, valha-me Deus, de desamores. Não digo que não sejam verdades. Porém, tu bem sabes vivido leitor que a nossa verdade é uma realidade secundária. Pura invenção das nossas crenças mais desesperadas.

Pediu-nos para falar de Amor. Mas sim, só o que me trouxeste foi um romance de enredo torto e mal acabado. Descreveste-me uma história de amor. Não me falaste de Amor.

Sorrir-lhe tristemente ao me pronunciares que “O amor só ocorre uma vez na vida”.
Eu tentaria essa: “O amor só ocorre uma vez por vida. E cá para nós, tantas vidas nós temos ao longo de uma única!

Acho que ninguém me ouviu. Também pudera, não compartilho seus sofrimentos e isso parece a eles uma qualidade absolutamente necessária para se falar de Amor. Eu, abismalmente, ria. É como se dissessem que só teria o direito de falar da vida quem já morreu.

Ah! E o pior da noite: “Eu nunca tive assim um grande amor”. No que eu poderia transformar, pela conotação que deram à conversa, nisso: “Eu nunca vivi um romance”. E, para o meu alegre desgosto, lembrei horas depois de uma herança que nos deixou Mário Quintana e que nos dizia mais ou menos isso:

“A minha vida foi um romance” – diziam, depois de uma pausa – e um suspiro, aquelas velhinhas que apareciam antigamente nos lares a vender rendas e bordados. Não sei por que os de casa desconversavam. Por sinal, que anos depois escrevi, para consolá-las postumamente, um poema que começava assim: “Minha vida não foi um romance”...

Não, a vida nunca é um romance: falta-lhe o senso de composição, o crescendo que leva ao clímax. Tudo acontece tão sem lógica e sem preparo que os seus golpes nos deixam atônitos, mas de olhos secos, como se fossemos heróis, nós que enxugamos furtivamente os olhos no escuro das salas de cinema – só porque o diretor do dramalhão soube desenrolar devidamente o filme."

É, esperto leitor, como já de certo percebeste, falou-se de qualquer outra coisa, menos de Amor. E espero, para o seu próprio bem, que não penses que irei aqui terminar a desgraçada conversa. Entretanto, farei, em tom triunfal de despedida, um resumo do que o mundo – e, é claro, os meus românticos amigos – defini por amor:

“O amor é uma concórdia de desacordos, onde só o que se afirmar é a não felicidade em aceitar a discordância da concórdia”.

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